Plano urbano do Rio não pode ficar refém de megaeventos, advertem urbanistas
Paula Adamo Idoeta
Da BBC Brasil em Londres
Atualizado em 10 de setembro, 2012 - 06:46 (Brasília) 09:46 GMT
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, já chamou a Olimpíada de 2016 de uma "desculpa fantástica" para fazer mudanças urbanísticas necessárias à cidade. Mas, para dois especialistas estrangeiros, os megaeventos estão pautando excessivamente as mudanças urbanas do Rio, numa espécie de distorção: em vez de Olimpíada e Copa ajudarem a cidade a alcançar um plano urbanístico de por exemplo, 50 anos, a cidade é que está se adequando para acomodar os eventos esportivos.
No livro Planning Olympic Legacies, lançado neste ano, a arquiteta alemã Eva Kassens-Noor analisa o legado urbanístico de cidades-sede de Olimpíadas e diz que o Rio "está sendo guiado pela demanda de megaeventos", desde a conferência Eco-92, passando pelos Jogos Panamericanos de 2007, a Rio+20, a Copa e Rio-2016, em vez de por um planejamento focado nos habitantes.
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Para o geógrafo americano Christopher Thomas Gaffney, professor visitante de pós-graduação da Universidade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, pesquisador e que serviu de consultor para o livro de Noor, o perigo é que "o projeto de cidade seja sempre para vender o Rio para outros interesses".
"A cidade está sendo construída para os outros usarem, e esse modelo tem de mudar"
Christopher Thomas Gaffney, pesquisador e consultor
Gaffney, que mora no Rio há três anos, questiona o que ditará o planejamento após 2016. "O que pode ser maior que uma Olimpíada? Essas mudanças deveriam ser parte de m planejamento de longo prazo. A cidade está sendo construída para os outros usarem, e esse modelo tem de mudar", afirma à BBC Brasil por telefone.
Mapeamento
Noor, que é professora-assistente de planejamento urbano e transporte na Universidade Estadual do Michigan (EUA), faz a ressalva de que o capítulo de seu livro dedicado ao Rio ainda está em andamento para futuras edições, mas diz à reportagem que o ideal é "mapear onde quero que a minha cidade esteja nas próximas décadas, e daí ver como os megaeventos podem contribuir com essa visão", em vez de atender às demandas desses megaeventos.
O lado bom, ela agrega, "é que os eventos colocam o Rio no mapa e proporcionam boom econômico, ímpeto ao desenvolvimento urbano e união de partidos políticos, já que é preciso concluir tudo a tempo. O que o Rio conseguiu nesses megaeventos é virar uma cidade referência na América do Sul".
"O lado ruim é que nesse processo a participação política popular acaba relegada, por causa da falta de tempo. Pouca gente é envolvida no planejamento." Além disso, algumas áreas da cidade acabam sendo beneficiadas em detrimento de outras.
Por isso, na opinião de Gaffney, o projeto acaba sendo "segregador", por beneficiar áreas como a Barra – onde ficarão a Vila e o Parque Olímpico – mas não as zonas norte, oeste e a Baixada Fluminense. Ao mesmo tempo, o bolso de todos os moradores acaba afetado pela alta nos preços dos aluguéis da cidade.
Transporte
Para a prefeitura do Rio, o principal legado será a rede de transporte, com investimentos focados principalmente em quatro linhas de BRT (bus rapid transit, tipos de corredores de ônibus), para totalizar 150km e ligar a Barra ao aeroporto Tom Jobim. As autoridades dizem que as obras terão impacto na vida de 2 milhões de cariocas.
Noor acha que a escolha pelo BRT faz sentido diante da pressão do tempo (sua construção é mais rápida do que a de linhas de metrô), do fato de o Brasil ter experiência nesse modelo e de ele ter capacidade para levar um grande número de passageiros.
Já Gaffney é extremamente crítico, opinando que a prefeitura se curvou diante do lobby de empresas de ônibus e escolheu privilegiar um modelo pior do que o metrô, poluente e que não vai convencer, por exemplo, moradores da Barra da Tijuca a trocar o carro pelo transporte público.
Além disso, diz, "faltou construir uma rede de transporte que integre as várias modalidades – trem, ciclovia, metrô. Todas as alterações ligam nada a quase nada. Não ampliar mais o metrô é uma oportunidade perdida".
Barcelona, natureza e 'elefantes brancos'
Noor, ao contrário de Gaffney, se diz otimista com algumas escolhas do Rio. Aponta que áreas como Deodoro se tornarão mais acessíveis e os avanços em infraestrutura beneficiarão a cidade.
Mas ela acha perigoso que o Rio se inspire em Barcelona, apesar do sucesso urbanístico da cidade espanhola após os Jogos Olímpicos de 1992.
"Lá (em Barcelona) também houve quatro áreas diferentes conectadas pelo transporte (no caso do Rio, essas áreas serão Barra, Deodoro, Maracanã e Copacabana). Mas as duas cidades são muito diferentes em tamanho e em área natural, e Barcelona não tinha favelas. Não sei como o Rio vai garantir que a natureza seja protegida e que as favelas sejam beneficiadas pela passagem do BRT", diz a arquiteta.
Isso porque, segundo os especialistas, várias obras viárias do Rio passarão por ecossistemas pantanosos frágeis e por zonas urbanas densamente povoadas, que terão de conviver com corredores de ônibus.
Questionada a respeito do Velódromo do Rio – que, construído para o Pan de 2007, não pode ser adaptado para a Olimpíada e tem destino incerto – Noor diz que todas as cidades olímpicas têm de lidar com "elefantes brancos".
A solução para minimizar o problema, opina, é construir arenas temporárias, que possam ser desmontadas após os Jogos e dar lugar a construções que beneficiem os moradores locais.
"Em muitos casos, esse espaço pode virar um parque, como fez Sydney em Homebush bay, área de seu Parque Olímpico de 2000. Nesse caso, a Olimpíada criou um ímpeto de desenvolvimento para a cidade."
Mas, ressalta Noor, "é preciso separar o dinheiro (para essas construções) antes. Veja o caso de Atenas, que planejava transformar o complexo olímpico em um parque. Mas a Grécia entrou em crise e o projeto ficou parado. A lição é que, se você for pensar no legado urbanístico só depois da Olimpíada, cometerá um grande erro."
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