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O consumidor de amanhã: trocando o caro pelo barato |
Atenção consumidores: estão esgotados os seguintes itens: “ideia de merecimento”, “consumo conspícuo” e “uma era dourada de luxo”. Pelo menos é o que dizem os professores da Wharton e outros especialistas que apontam para uma nova lógica que está definindo não só o que os consumidores americanos compram, mas também como entendem a experiência da compra.
Embora o consumidor costume se retrair durante a fase descendente de qualquer ciclo econômico, a gravidade e as incertezas da crise atual deverão ter efeitos prolongados em suas atitudes num grau maior do que em crises anteriores, observam os especialistas. O consumidor, dizem, acabará gastando de novo, mas sem o mesmo ânimo proporcionado pelo crédito fácil dos frenéticos anos 2000.
“A Grande Depressão certamente mudou o comportamento do consumidor e suas atitudes durante toda uma geração”, observa estão esgotados, Wesley Hutchinson, professor de marketing da Wharton. “Não dá para saber ainda se a crise atual deixará a mesma cicatriz psicológica, mas há um precedente de uma grande mudança.”
Nos próximos 18 meses, prevê Hutchinson, o consumidor aprenderá a se comportar de maneira mais frugal e não deverá abandonar essa atitude mesmo depois de a economia se estabilizar. “Num certo sentido, todo o mundo agora sabe alguma coisa sobre os mercados financeiros e o uso abusivo do crédito pessoal — nessa matéria, o consumidor americano sempre se revelou um péssimo aluno. Tínhamos o hábito de não dar muita atenção ao custo do dinheiro emprestado.”
Stephen Hoch, professor de marketing da Wharton, acha que o consumidor trabalha agora com uma nova lógica. “Até recentemente, havia uma ideia de merecimento a qual as pessoas se apegavam”, diz ele. Tratava-se de uma ideia construída sobre a crença de que o consumidor trabalhava duro e, portanto, tinha o direito de desfrutar do melhor para compensar o tempo e a energia que dedicava a ganhar dinheiro. Os marqueteiros de bens de luxo promoveram o tema do “merecimento” com muita veemência, embora hoje tenham abandonado quase que completamente o assunto.
O consumidor que aprendeu a comprar produtos mais caros em épocas de prosperidade, agora está aprendendo a comprar produtos mais baratos, acrescenta Hoch. Eles se deram conta de que estavam jogando dinheiro fora em produtos e serviços caros quando havia alternativas mais baratas com pouca perda real de qualidade ou satisfação. Muitos consumidores lamentam ter gasto tanto. Hoje, eles estão descobrindo um novo sentido de bem-estar nessa atitude mais exigente. “O valor das coisas se tornará um elemento cada vez mais importante”, diz Hoch. “As pessoas vão perceber que essa é uma atitude inteligente.”
Sapatos de US$ 1.200
Erin Armendinger, diretora gerente do Projeto de Varejo Jay H. Baker da Wharton [Jay H. Baker Retailing Initiative], diz que as pessoas “realmente mudaram depois do que aconteceu. Não creio que voltarão a gastar como antes, pelo menos não por enquanto”. O consumidor, diz ela, cortou drasticamente os gastos, não porque quisesse, mas porque as administradoras de cartão de crédito e outras instituições creditícias retiraram o aval que davam à farra de consumo que alimentou o colapso financeiro atual. A interrupção da expansão do crédito foi um baque duro para o consumidor, que se viu obrigado a recuar e a reavaliar sua atitude em relação aos gastos que fazia.
No futuro, o consumidor vai aprender que é importante compreender o valor dos bens e serviços, diz ela, e cita como exemplo dessa nova atitude os sapatos de grife. Cinco anos atrás, esse era um produto vendido a US$ 300 e até a US$ 500. Antes da crise econômica, o consumidor apaixonado por sapatos — impelido pelo crédito fácil e por uma sensação de riqueza recém-descoberta oriunda da valorização do mercado acionário e dos bens imóveis — chegou a pagar US$ 800 e até US$ 1.200 por um par de sapatos.
“Será que houve um aumento de 100% na proposição de valor? A resposta é, provavelmente, ‘não’”, diz Armendinger. “Todo o mundo foi pego num ciclo de consumo conspícuo. Todos queriam o que havia de mais novo, de mais moderno, do melhor.”
Agora, diz ela, essa “mentalidade insana” desapareceu, e o consumidor quer pagar apenas por coisas das quais ele precisa de fato, ou por itens de valor realmente extraordinário. “Voltamos a uma época mais simples, porém o pêndulo vai parar em algum ponto intermediário do percurso. Somos um país que, ao longo da história, sempre comprou mais do que precisava. Vamos voltar a um ponto em que compraremos novamente mais do que estamos comprando agora.” Com relação aos tempos pré-crise “de gastos abusivos, essa época não voltará mais, pelo menos não por enquanto”.
De acordo com Paco Underhill, consultor especializado no consumidor e autor de Por que compramos: a ciência da compra, a reação psicológica ao derretimento das finanças varia conforme a idade e a renda, embora, de modo geral, o humor do consumidor esteja claramente abalado. “O nível de depressão é geral. Estamos atravessando uma época extremamente sombria. Espero que isso nos faça refletir muito.”
Underhill descreve o que para ele seriam três segmentos de consumo atuais divididos não pelo nível de renda, mas pela segurança que ela proporciona. Um grupo é constituído por aqueles que perderam o emprego e estão em fase de declínio. No caso da esposa de um banqueiro de Wall Street, isso talvez signifique abrir mão das visitas semanais ao cabeleireiro e à manicure, ao passo que para a esposa de um funcionário da GM, cujos benefícios foram cortados, isso resultará em maior dificuldade para pagar a hipoteca da casa. “Para eles, trata-se de um acontecimento traumático que não poupa nenhuma classe econômica”, diz Underhill.
Os que se acham no segundo grupo não correm o risco imediato de perder o emprego, mas têm amigos ou parentes desempregados. Esses consumidores, diz Underhill, estão evitando gastar como medida preventiva. Eles ainda estão gastando, mas agora se sentem orgulhosos por comprar a preços que consideram ótimos.
Um terceiro grupo praticamente não foi afetado pela crise. Os indivíduos desse grupo pagaram suas hipotecas e, embora sua carteira de investimentos possa ter se deteriorado fortemente, eles ainda contam com uma boa proteção. Apesar disso, esse grupo também decidiu gastar menos, porque se entregar ao consumo conspícuo não parece de bom tom num momento em que tanta gente passa por dificuldades. Contudo, prossegue Underhill, os indivíduos desse grupo continuam a viajar para lugares onde se sentem razoavelmente seguros para gastar sem chamar a atenção.
A mudança da psicologia do consumidor também atinge os diferentes grupos etários, diz Underhill. “Para a Geração Y [nascidos depois de 1978], a crise teve um impacto maior do que o 11 de setembro. Este é o primeiro trauma financeiro de suas vidas. Logo eles, que foram criados na crença de que o capital e os gastos eram ilimitados. Muitos ficaram transtornados. Não têm ideia sequer do que seja orçamento.”
Será curioso observar de que maneira essa geração vai reagir, acrescenta Underhill, salientando que a Geração Y pode se recusar durante algum tempo a aceitar os fatos, podendo ainda enfrentar a crise munida de um novo conjunto de opções de consumo como, por exemplo, a chamada “moda descartável” da Zara e de outros varejistas. Além disso, diz ele, os pais dessa geração parecem dispostos a recebê-los novamente em casa em caso de dificuldades financeiras mais graves.
Para a Geração X — nascidos entre 1965 e 1977 —, o grande problema é a desvalorização da casa própria. Quem comprou casa por volta de 1995 com financiamento hipotecário de longo prazo ainda pode contar, provavelmente, com um certo montante, que é produto do valor do imóvel menos o valor da hipoteca devida. “Mas se você comprou sua casa em 2005, ou trocou-a por outra de maior valor, sua situação não é nada boa”, diz Underhill. Osbaby boomers [geração nascida no pós-guerra] também foram pegos de surpresa pelo colapso do valor de suas casas. “Eles se esqueceram de economizar, e acharam que suas casas os salvariam.” Para essa geração, a ideia de aposentadoria deixará de ser a de um período áureo de luxo; em vez disso, vai adquirir ares mais modestos de um estilo de vida semelhante ao dos anos em que ainda trabalhavam.
O jeito de lidar psicologicamente com essas mudanças passa por uma educação melhor e por um processo de aprendizagem financeira, diz Underhill. “É importante que as pessoas saibam que não existe compra na vida capaz de mudar alguém — um batom não faz isso, tampouco um iPhone, uma Chevy nova em folha. Nada pode nos transformar em alguém que não éramos antes de efetuada a compra.”
Para Leonard Lodish, professor de marketing da Wharton, os americanos talvez tenham fama de prezar muito as coisas materiais, mas seu desejo de consumo não é mais característico deles do que de qualquer outro ser humano. Os franceses, diz ele, cunharam o termo “prestígio”, ao passo que os japoneses, e agora os chineses, ostentam níveis explosivos de consumo pós-industrial.
Não são os profissionais de marketing, diz Lodish, que acionam o gatilho do consumismo. Eles simplesmente reagem a um desejo que vem de dentro das pessoas. “É muito difícil criar uma necessidade inata. Isso é consequência da interação entre sociedade, valores e normas da cultura.”
Montanhas de ketchup
Armendinger chama a atenção para outro impacto sobre os padrões de compras — a existência de espaço suficiente para armazenar todas as compras feitas. O consumidor americano parece ocupar o primeiro lugar na fila mundial do consumo, em parte porque dispõe de terra suficiente para construir casas amplas e locais para guardar todos os seus pertences. “Em resumo, temos coisas demais”, diz ela. Na Europa e em economias emergentes, como a Índia, o desejo de consumir existe, mas não se compara à capacidade que tem o americano de amontoar coisas. “Não se vê nesses países a mentalidade da Costco de empilhar papéis higiênicos ou frascos enormes de ketchup, isso porque as pessoas não dispõem desse espaço físico.”
Carl Steidtmann, economista chefe e diretor de Negócios do Consumidor da Deloitte Research, salienta que a Grande Depressão, associada à Segunda Guerra Mundial, resultou em 15 anos de restrição de gastos para o consumidor. Em primeiro lugar, em virtude da contração econômica e, depois, em razão do racionamento próprio do esforço de guerra. Para Steidtmann, a crise atual, deflagrada em dezembro de 2007, começará a perder fôlego no fim deste ano, e não deverá ter o impacto prolongado que teve sobre o consumidor a Grande Depressão.
Ele diz ainda que o impacto mais duradouro da crise atual talvez ocorra no segmento de proprietários de imóveis residenciais, que se acham sob enorme pressão da divida hipotecária. Ele acrescenta que espera o advento de uma “mentalidade de inquilino” no mercado de moradia, isto é, com menos ênfase na possibilidade de usar o imóvel como veículo de investimento. Contudo, não se deve esperar dos nômades modernos que empilhem sua mobília adquirida na Pottery Barn em seus SUVs à medida que forem abandonando suas McMansões. “Em toda recessão, existe a hipótese de que o consumidor seja punido e que passe a viver depois disso a vida simples dos monges”, diz Steidtmann. “Isso ainda não aconteceu.”
Ele lembra uma reportagem de capa da Time de junho de 2001, um período de desaceleração econômica, intitulada “A vida simples: adeus ao desejo de ter tudo.” O artigo dizia, entre outras coisas: “Depois de dez anos de alegrias, de sonhos ambiciosos e de um consumismo ímpio, os americanos estão começando a comprar coisas mais baratas. Eles querem reduzir seu apego aos símbolos de status, a carreiras meteóricas e a grandes expectativas de Ter Tudo. Sai o luxo e entra a frugalidade. Os yuppies pertencem a uma civilização distante. Mostrar que tem dinheiro agora é considerado de mau tom: se você tem, por favor guarde para si — ou então distribua um pouco!”
Isso lembra alguma coisa?
David Reibstein, professor de marketing da Wharton, observa que a angústia atual em relação ao gasto do consumidor o faz lembrar das recessões de 2001 e de 1991. Em ambos os extremos de qualquer ciclo econômico — em seus altos e baixos — costuma-se dizer que nos ciclos de alta todo o mundo acha que o status quo nunca vai mudar, ao passo que durante os períodos de baixa, todo o mundo acha que a vida que vivíamos jamais será a mesma outra vez. “Entre um período e o outro, existe sempre essa preocupação”, diz ele. “O que me impressiona é nossa capacidade de adaptação.”
Reibstein lembra as semanas e os meses que se seguiram aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, quando parecia que ninguém jamais teria coragem de pisar num avião novamente. No momento em que a crise atual forçou a redução da demanda, o volume de viagens aéreas havia voltado ao normal. “Vai demorar muito tempo para superarmos a crise atual em virtude da severidade e da profundidade desse ciclo”, diz Reibstein, “mas tão logo a superemos, será fantástico observar a rapidez com que as pessoas vão se recuperar de tudo o que passaram”.
Aos poucos, acrescenta, à medida que os choques econômicos atuais forem absorvidos, as pessoas começarão a investir novamente e, com muita cautela, elas vão aumentar seu volume de compras. A confiança se fortalecerá na medida em que as perdas de postos de trabalho se estabilizarem e houver novas contratações, diz. “É tudo uma questão de tempo.”
Publicado em: 11/03/2009
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